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Negros, baixa escolaridade e prisão por tráfico: entenda por que perfil dos presos na região de Campinas expõe desigualdades

Segundo especialistas, grupo figura a parcela mais vulnerável da população e que acaba mais suscetível a crimes de drogas e contra o patrimônio. Centro de ...

Negros, baixa escolaridade e prisão por tráfico: entenda por que perfil dos presos na região de Campinas expõe desigualdades
Negros, baixa escolaridade e prisão por tráfico: entenda por que perfil dos presos na região de Campinas expõe desigualdades (Foto: Reprodução)

Segundo especialistas, grupo figura a parcela mais vulnerável da população e que acaba mais suscetível a crimes de drogas e contra o patrimônio. Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de Hortolândia Fernando Evans/G1 Pessoas negras com pouca escolaridade, suspeitas ou condenadas por crimes envolvendo o tráfico de drogas. Esse é o perfil predominante entre os presos que vivem nas unidades carcerárias da região de Campinas (SP), segundo levantamento realizado pelo g1 com dados do Ministério da Justiça. Os números são do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen) e, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, refletem um cenário de desigualdades que atinge as populações mais vulneráveis do país (veja mais na análise abaixo). 📲 Receba as notícias do g1 Campinas no WhatsApp “O encarceramento está bastante relacionado à desigualdade econômica e às disparidades sociais que existem. Se nós olharmos para o sistema penitenciário brasileiro, a gente vai perceber que a maior parte das pessoas presas é jovem, é negra e pessoas com baixa escolaridade". "São pessoas que estão incluídas do contexto social e que o Estado olha para elas por meio da prisão, por meio da sua máquina estatal de punir. [...] Nesse sentido, desigualdade social e prisão andam juntas no nosso país”, comenta Fernanda Ifanger, professora de direito na PUC-Campinas. A apuração considera os dados mais recentes do painel do Sisdepen, que se referem ao primeiro semestre de 2024. À época, a região tinha 10.671 presos – 20% a mais do que a capacidade prevista pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) – nas seguintes unidades: Centro de Ressocialização Masculino de Sumaré + Arsa Centro de Detenção Provisória de Americana Centro de Detenção Provisória de Campinas Centro de Detenção Provisória de Hortolândia Centro de Progressão Penitenciária de Hortolândia Centro de Progressão Penitenciária de Campinas Centro de Ressocialização de Mogi Mirim + Arsa Penitenciária II de Hortolândia Penitenciária III de Hortolândia Penitenciária Feminina de Campinas Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu Cor, idade e escolaridade Homens e mulheres negros (autodeclarados pretos e pardos) correspondem a 60% da população prisional da região. Entre os que tiveram a idade informada, 58% tinham de 30 a 45 anos, seguidos pelos grupos de 18 a 29 (47,4%) e 46 a 60 (13,7%). Os detentos acima de 61 anos eram apenas 1,9%. Além disso, a maioria não havia concluído os níveis de escolaridade: 32,6% tinham ensino fundamental incompleto, enquanto 22,7% chegaram ao médio, mas não se formaram. Outros 203 não tinham nenhum estudo, embora fossem alfabetizados, e 44 eram analfabetos. Crimes mais frequentes e penas Do total de custodiados, 43,2% respondem ou foram condenados pelo tráfico de drogas, incluindo nacional e internacional. Outros 41,2% foram relacionados a crimes contra o patrimônio, como furto, roubo, latrocínio, extorsão, estelionato, apropriação indébita e receptação. Também há casos envolvendo os seguintes delitos: contra a pessoa: homicídio, aborto, lesão corporal, violência doméstica e sequestro; contra a dignidade sexual: estupro, atentado violento ao pudor, estupro de vulnerável, corrupção de menores e tráfico de pessoas; contra o patrimônio: furto, roubo, latrocínio, extorsão, estelionato, apropriação indébita e receptação; contra o desarmamento: porte ilegal, posse ilegal, comércio, tráfico e disparo de arma de fogo; contra a fé pública: moeda falsa, falsificações de documentos, falsidade ideológica e uso de documento falso; contra a paz pública: formação de quadrilha ou bando; contra a administração pública: peculato, concussão e excesso de exalação e corrupção passiva; trânsito: homicídio culposo na direção de veículo. Uma mesma pessoa pode ser condenada por mais de um crime, o que pode levá-la a cumprir penas de algumas décadas em diferentes regimes. No período analisado, a região tinha um preso com pena de 100 anos ou mais, além de outros 33 sentenciados de 50 a 100 anos. Apesar disso, a maioria (36%) tinha condenações de 4 a 8 anos. Reflexo da desigualdade social O perfil não é exclusividade da região de Campinas. Pelo contrário. Segundo a professora de direito da PUC-Campinas, de modo geral, as prisões no Brasil são “composta por pessoas jovens, negras, com baixa escolaridade, que praticam contra o patrimônio e tráfico de drogas” o que, para ela, é um reflexo da desigualdade. “A gente não pode deixar de perceber que todos esses crimes, crimes patrimoniais, tráfico de drogas, estão relacionados a problemas sociais, de desigualdade, de distribuição de renda, de dificuldade de acesso a um trabalho que permita que essa pessoa tire seu sustento. Então, não dá para negar que a desigualdade e a prisão são faces de uma mesma moeda”. “O que a gente precisa pensar é que a prisão afeta a sociedade porque a prisão também é muito desigual. Não são todas as pessoas da sociedade que são igualmente sujeitas à prisão. Todos podem praticar crimes, mas existem nichos sociais que são mais afetados pela prisão”, comenta. O problema se agrava porque são poucas as iniciativas que buscam compreender ou solucionar as vulnerabilidades desses presos. A especialista diz que, com isso, eles “aprendem a se adequar ao cárcere e, não necessariamente, vão retomar uma vida honesta ou aprender como se reintegrar à sociedade depois que a pena for cumprida”, assim, ocorre a reincidência. “Existe um movimento mais crítico da criminologia, que tem, sim, surgido contra a prisão, dizendo que essa prisão é sempre negativa e que a partir dela a gente não pode conseguir nenhum benefício [...] A gente precisa pensar que os presos estão temporariamente excluídos da sociedade, mas eles retornarão. E o que eles receberam no cárcere vai determinar como será esse retorno”, completa. Reinserir para diminuir as vulnerabilidades Defensoria Pública denuncia insalubridade em presídios de Hortolândia e Campinas O professor Ferdinando Ramos Ferreira, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) da Unicamp, diz que o ideal seria, ainda dentro dos estabelecimentos penais, atuar pela reinserção desses grupos. “Uma das principais políticas que deve ser enfatizada é a disponibilização de oportunidade de trabalho e de educação, tirando o detento da ociosidade”. Ao g1, os especialistas citaram exemplos de ações que deveriam ser parte de uma política pública mais frequente para contornar o problema: Prisões com condições salubres, sem superlotação, com acesso à água, comida e outros elementos que respeitem a dignidade; Realização de atividades culturais e esportivas; Ampliação das permissões de saída; Mais contato com familiares; Possibilidade de realização de trabalho e estudo. O que diz a SAP A reportagem pediu um posicionamento à SAP sobre os apontamentos dos especialistas, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem. VÍDEOS: Tudo sobre Campinas e Região Veja mais notícias sobre a região na página do g1 Campinas.

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